Descubra como contratos no futebol garantem proteção legal para clubes e jogadores, com base na Lei Pelé, SAFs e regulações internacionais.

Contratos no Futebol: Proteção e Sustentabilidade Jurídica

A indústria do futebol é uma engrenagem econômica e social global, com uma dinâmica específica que exige regulação legal robusta e contratos juridicamente bem fundamentados. Neste cenário, a elaboração de contratos que atendam às necessidades de clubes, jogadores e parceiros é essencial para garantir a estabilidade e o sucesso das relações. Este artigo explora, com base em dispositivos legais, a importância da Lei das SAFs, da Lei Pelé, os contratos internacionais, as multas contratuais e as estratégias de proteção para clubes e atletas.

A Importância de Contratos Bem Fundamentados na Indústria Futebolística

Os contratos no futebol não se limitam a regular questões básicas como remuneração ou duração; eles são ferramentas cruciais para preservar direitos, mitigar riscos e proteger os interesses de todas as partes envolvidas. A Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), especialmente em seu artigo 28, determina que contratos de trabalho desportivo devem conter cláusulas específicas, incluindo a duração mínima de três meses e máxima de cinco anos, além da obrigatoriedade de previsão de multa rescisória.

Essa multa, essencial para proteger clubes e atletas, deve ser proporcional ao valor do contrato e às expectativas de ganho com a continuidade da relação. Para atletas menores de 23 anos, a legislação reforça que os valores das multas sejam calculados de forma a proteger o clube formador, garantindo uma compensação justa em caso de transferência precoce.

Outro ponto importante é a previsão de cláusulas de exclusividade, que asseguram ao clube direitos prioritários sobre o atleta, especialmente em renovações. Contratos que negligenciam essas cláusulas podem expor os clubes a prejuízos financeiros e perda de talentos.

Além disso, a Lei Pelé, em seu artigo 87-A, regula contratos de direitos de imagem, estipulando que eles devem ser celebrados separadamente do contrato de trabalho. Essa separação evita confusões fiscais e trabalhistas, além de proteger o atleta contra o uso indevido de sua imagem por terceiros.

A Lei das SAFs e Sua Relevância no Futebol

A Lei nº 14.193/2021 trouxe uma mudança significativa para o futebol brasileiro, permitindo a transformação de clubes em Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs). Esta lei busca promover uma gestão mais profissional, sustentável e transparente.

Estrutura e Governança (Art. 1º e Art. 2º)

O artigo 1º estabelece que as SAFs devem ser constituídas como sociedades empresárias, separando o patrimônio do clube associativo e da entidade desportiva. Essa separação é crucial para proteger o patrimônio histórico dos clubes, enquanto permite a atração de investidores.

Já o artigo 2º determina que as SAFs adotem boas práticas de governança corporativa, incluindo auditorias independentes e a divulgação periódica de relatórios financeiros. Essas medidas fortalecem a transparência e a credibilidade do futebol brasileiro, atraindo investidores nacionais e internacionais.

Benefícios Econômicos e Tributários (Art. 13 e Art. 14)

A Lei das SAFs cria um ambiente econômico mais favorável ao permitir a reestruturação de dívidas herdadas do clube associativo e estabelecer um regime mais transparente e eficaz para as execuções:

Artigo 14: Descreve o Regime Centralizado de Execuções, onde o clube ou pessoa jurídica original opta pelo concurso de credores, concentrando as execuções e receitas em um juízo centralizador. Este regime é crucial para a organização e pagamento ordenado das dívidas..

Artigo 10: Permite que a SAF renegocie dívidas herdadas do clube associativo, utilizando instrumentos como a recuperação judicial. Isso oferece às SAFs um caminho para reestruturar passivos financeiros sem comprometer suas operações.

Proteção ao Clube Associativo (Art. 9º e Art. 10)

Os artigos 9º e 10º reforçam que a SAF deve garantir que parte de suas receitas seja destinada à manutenção de atividades sociais e esportivas do clube associativo. Esse dispositivo visa preservar as tradições históricas, culturais e esportivas do clube original, assegurando que a modernização e a entrada de capital privado não descaracterizem a instituição.

No artigo 10, destaca-se que pelo menos 20% das receitas líquidas apuradas pela SAF devem ser destinadas ao pagamento de passivos do clube associativo. Isso garante que a transição para o modelo empresarial não deixe de lado as responsabilidades financeiras e sociais do clube.

Além disso, a SAF deve assegurar que investimentos em infraestrutura esportiva e programas de formação continuem sendo realizados. O descumprimento dessas obrigações pode acarretar sanções legais, inclusive a revogação do modelo SAF.

A multa prevista para violações dessas normas pode chegar a valores expressivos, determinados em regulamento complementar, reforçando a necessidade de gestão responsável e transparente.

A Lei Pelé e os Direitos de Clubes e Jogadores

A Lei Pelé é a base legal que regulamenta as relações desportivas no Brasil, com disposições que equilibram os direitos de clubes e jogadores.

Direitos de Formação (Art. 29 e Art. 30)

Os direitos de formação são um dos pilares da proteção aos clubes que investem na base. O artigo 29 da Lei Pelé determina que clubes formadores têm direito a uma compensação financeira sempre que um atleta que passou por suas categorias de base for transferido antes de completar 23 anos. Essa compensação não se limita a valores arbitrários, sendo calculada com base no tempo de formação do atleta e na importância do clube em sua trajetória.

Além disso, a CBF regulamenta esses pagamentos para garantir que sejam feitos de forma padronizada e justa. O cálculo considera o número de anos em que o jogador esteve registrado no clube formador e sua idade durante o período. Isso incentiva clubes menores a continuarem investindo na formação de jovens talentos, sabendo que terão retorno financeiro em caso de transferência.

O artigo 30 complementa essa proteção ao garantir aos clubes formadores a prioridade em renovações contratuais. Caso outro clube faça uma proposta a um atleta em idade de formação, o clube original tem o direito de igualar a oferta dentro de um prazo estipulado, normalmente de 30 dias. Isso evita que clubes de menor porte sejam prejudicados por aliciamento de jogadores em formação, reforçando a importância do investimento na base.

Outro ponto essencial é que a legislação reconhece que esses direitos são inalienáveis. Ou seja, mesmo que o clube formador tenha dificuldades financeiras, não pode abrir mão de sua compensação por formação. Esse dispositivo é fundamental para proteger o equilíbrio financeiro no futebol brasileiro, garantindo que os clubes pequenos ou médios não fiquem em desvantagem em relação às grandes potências esportivas.

Os direitos de formação também se aplicam em transferências internacionais, conforme os regulamentos da FIFA. Nesse caso, uma porcentagem do valor da transferência é destinada automaticamente aos clubes formadores, garantindo que recebam a devida compensação independentemente da negociação específica.

Cláusulas Compensatórias e de Multa (Art. 28 e Art. 32)

O artigo 28 da Lei Pelé regula as cláusulas compensatórias desportivas, fundamentais para proteger os interesses de clubes e atletas em casos de rescisão unilateral de contrato. Essas cláusulas determinam que o valor da compensação deve ser fixado previamente no contrato e ser proporcional ao tempo restante do vínculo e à projeção de ganhos envolvidos. No caso de atletas menores de 23 anos, a legislação reforça a necessidade de valores que preservem os direitos do clube formador, frequentemente elevados para desestimular rescisões arbitrárias.

Já inciso II, do §1º do art. 28, aborda as multas em transferências internacionais. Essas multas são estabelecidas para proteger os clubes brasileiros que perdem jogadores em negociações para o exterior. As quantias geralmente acompanham a valorização do atleta no mercado global, funcionando como uma medida de justiça econômica para assegurar que clubes formadores e detentores de direitos contratuais sejam devidamente ressarcidos.

Para definir os valores das cláusulas, as partes devem seguir parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, evitando valores excessivamente altos ou baixos que possam ser contestados judicialmente ou arbitralmente. A jurisprudência esportiva internacional, como a do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), frequentemente intervém em disputas relacionadas a multas contratuais, assegurando que sejam aplicadas de maneira justa e equitativa.

Outro ponto essencial é que essas cláusulas devem ser claras e objetivas, definindo não apenas os valores, mas também os prazos e condições para o pagamento. Isso evita litígios futuros e reforça a segurança jurídica dos contratos desportivos. Para clubes, isso garante o retorno financeiro em caso de transferência; para jogadores, assegura que os acordos sejam cumpridos de forma transparente e dentro da legalidade.

Essas cláusulas não apenas protegem os clubes, mas também asseguram que os jogadores sejam tratados com respeito às condições acordadas, evitando abusos por ambas as partes.

Prazos e Renovações Prioritárias (Art. 31)

O artigo 29, estipula que clubes formadores têm um prazo de até 45 dias para igualar propostas recebidas por atletas em idade de formação. Este prazo é fundamental para evitar o aliciamento de jogadores promissores, protegendo o investimento feito pelos clubes na base. O mecanismo também permite que o clube original mantenha o vínculo com o atleta, desde que iguale a oferta recebida de outra equipe, assegurando justiça nas negociações.

Esse direito de preferência protege principalmente clubes menores, que frequentemente dependem de suas categorias de base para gerar receita e sustentar suas operações. A regra é especialmente relevante em um mercado competitivo, onde clubes maiores têm maior capacidade de oferecer propostas atrativas.

Além disso, a norma exige que a proposta recebida seja formalmente notificada ao clube formador, garantindo transparência no processo e prevenindo manobras de ocultação por parte de terceiros interessados no jogador. Caso o clube formador opte por exercer seu direito de preferência, ele deve fazê-lo nos termos exatos da oferta recebida, incluindo valores, prazos e benefícios adicionais.

A aplicação desse artigo reforça a importância do equilíbrio econômico no futebol brasileiro, promovendo um ambiente mais equitativo e incentivando o investimento contínuo em jovens talentos. Sem essa proteção legal, muitos clubes formadores poderiam perder jogadores estratégicos sem qualquer compensação ou possibilidade de competição justa no mercado.

Esse direito de preferência protege principalmente clubes menores, que frequentemente dependem de suas categorias de base para gerar receita e sustentar suas operações. A regra é especialmente relevante em um mercado competitivo, onde clubes maiores têm maior capacidade de oferecer propostas atrativas.

Contratos Internacionais: O Brasil no Cenário Global

O Brasil, reconhecido por sua rica tradição futebolística, destaca-se como um dos principais exportadores de talentos no cenário global. As transferências internacionais de jogadores brasileiros não apenas elevam o prestígio do país, mas também representam uma fonte significativa de receita para muitos clubes nacionais.

Mecanismo de Solidariedade (Artigo 21 do Regulamento da FIFA)

Instituído no início dos anos 2000, o Mecanismo de Solidariedade da FIFA, previsto no artigo 21 do Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores (RSTP), visa incentivar os clubes a investirem na formação de atletas. Esse dispositivo determina que, em transferências internacionais, 5% do valor total da negociação seja reservado para os clubes que contribuíram para a formação do jogador entre os 12 e 23 anos de idade. A distribuição é feita da seguinte forma:

  • Dos 12 aos 15 anos: 0,25% por ano de formação.
  • Dos 16 aos 23 anos: 0,5% por ano de formação.

Essa medida é vital para clubes menores, que muitas vezes dependem dessas receitas para sustentar suas operações e continuar desenvolvendo novos talentos.

Multas Rescisórias e Cláusulas de Liberação

Os artigos 16 a 18 do RSTP da FIFA abordam questões relacionadas à estabilidade contratual entre jogadores profissionais e clubes. Em particular, o artigo 17 trata das consequências da rescisão de contratos sem justa causa, estabelecendo que a parte que rescindir o contrato será responsável por pagar uma indenização. Essa indenização deve ser proporcional ao valor de mercado do jogador e às expectativas do clube, servindo como garantia financeira para proteger os investimentos realizados pelos clubes formadores. Além disso, o regulamento estipula que cláusulas de liberação devem ser claras e razoáveis, evitando litígios relacionados à liberdade de trabalho do atleta.

Transferências e Conformidade Legal

As transferências internacionais exigem conformidade com as normas nacionais e internacionais. Contratos que desrespeitam os regulamentos podem ser anulados, e os clubes podem enfrentar sanções severas, incluindo multas e proibição de registro de novos atletas. A FIFA, por meio de seu Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores, estabelece diretrizes claras para garantir que as transferências ocorram de maneira transparente e justa, protegendo os direitos de todas as partes envolvidas.

Em resumo, a participação ativa do Brasil no mercado global de transferências reforça a importância de uma gestão cuidadosa dos contratos internacionais, assegurando que os clubes nacionais se beneficiem adequadamente e que os direitos dos jogadores sejam respeitados.

Conclusão

A indústria futebolística é um campo que combina paixão e negócios, exigindo contratos juridicamente sólidos e alinhados à legislação. A Lei das SAFs e a Lei Pelé são instrumentos indispensáveis para garantir um ambiente regulatório equilibrado e promover o crescimento sustentável do futebol brasileiro.

Com dispositivos claros, como as cláusulas de formação, compensatórias e multas rescisórias, os clubes podem proteger seus investimentos e assegurar um mercado mais justo. Da mesma forma, atletas têm seus direitos garantidos, permitindo-lhes desenvolver suas carreiras em um ambiente seguro e transparente.

O futuro do futebol depende de uma abordagem integrada, que combine profissionalismo, legislação e gestão eficiente. Assim, clubes e jogadores poderão prosperar no cenário global, mantendo o Brasil na vanguarda do esporte.

Escrito por Ikaro Bravin

Veja mais:

Compartilhe nas mídias

Mais conteúdos